26 de março de 2019

Língua materna: cultura e identidade

Por: Adriana Minhoto
Jornalista, com especialização em Comunicação Intercultural

Morar fora, ser casado com uma pessoa de outra nacionalidade e ter um filho em outro país... Atualmente essa é a condição de muitos brasileiros e o grande dilema da maioria é como introduzir a nossa língua e cultura na vida das crianças.

Para Patricia Carvalho Ribeiro, professora de Português como Língua de Herança e Língua Estrangeira, atuando na Finlândia há 10 anos e que dá aulas na Oficina de Português para Crianças, oferecida pelo Centro Cultural Brasil-Finlândia, ensinar a língua portuguesa para os pequenos é importante no processo de construção da sua identidade. “Nós sabemos que a língua é como um veículo que carrega em si a cultura, os valores e a identidade de um povo. Contudo, vivendo fora do Brasil, a criança pode ter muita dificuldade de se reconhecer como brasileira e, consequentemente, falar português.”

O brasileiro Eduardo Domingues de Jesus, casado com uma finlandesa e com dois filhos tem opinião semelhante. “Acho que o ensino língua materna dos pais de qualquer criança seja crucial, pois é a língua do afeto; e afeto e afinidade são os maiores ingredientes pedagógicos possíveis na motivação aprendendo um idioma.”

Virgínia Brilhante e o marido, que é grego, também consideram importante que as filhas tenham contato com a língua nativa materna e paterna.  “As línguas são pontes para as culturas de onde viemos e são intrínsecas ao que somos como pessoas e pais. O idioma também fortifica a relação das meninas com nossas famílias.” O casal tem duas filhas.

“Temos quatro línguas em casa: português, grego, inglês e finlandês. Moramos na Escócia por seis anos quando nossa filha mais velha estava em idade escolar infantil, então ela foi alfabetizada em inglês. Desde que a caçula nasceu, aqui na Finlândia, usamos com ela cada um sua língua nativa”, diz Virgínia.

Na família de Eduardo é mesma situação. “Desde quando [as crianças] nasceram optamos por cada um de nós falarmos exclusivamente a língua materna de cada um, mas é claro, como qualidade, o finlandês é praticado mais do que qualquer outra língua, pois é o idioma de alfabetização deles”.

Crianças bilíngues, crianças do mundo

A geração que nasce fora do Brasil é uma geração bilíngue. Mais do que isso, são crianças que pertencem ao mundo e não somente ao país onde nasceram, mas sabendo a língua materna de seus pais, ganham diversidade cultural e oportunidades na vida adulta.

Claro que, com todo esse aprendizado de línguas, a da alfabetização acaba sendo sempre a mais forte para a criança. Mas o fato de conhecer outras línguas e poder se comunicar em diversos idiomas quebra barreiras. “Não temos a expectativa, nossas filhas desenvolvam ao mesmo tempo as quatro línguas ao mesmo nível. Sabemos por experiência que a familiaridade com as línguas varia ao longo do tempo de acordo com as vivencias que as crianças vão tendo”, finaliza Virgínia.

Assim, a importância de ensinar português para as crianças que estão vivendo em outros países e sendo alfabetizadas em outro idioma passa tanto pela questão da identidade cultural delas, como na manutenção da comunicação dessas crianças com seus familiares, além de promover nossa língua e cultura perante outros países.

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Adriana Minhoto é jornalista formada (FMU, Brasil), com especialização em Gestão de Desenvolvimento Sustentável (FMU, Brasil) e Comunicação Intercultural (Aalto University, Finlândia). Atualmente vive na Finlândia, mas nunca deixou o gosto da escrita em português de lado.