5 de fevereiro de 2019

A Importância da Língua de Herança

Por: Maila-Kaarina Rantanen
       Editora geral da plataforma Brasileirinhos pelo Mundo

Em novembro de 2017 foi lançada a plataforma colaborativa Brasileirinhos pelo Mundo (ou BPM Kids), escrita por mães brasileiras residentes em diversos países, com vistas a informar e dividir experiências sobre diferentes aspectos da vida e da educação pelo mundo.

O BPM Kids divide-se em categorias que abrangem todos os tipos de temas referentes à maternidade. Destaco neste artigo, as que falam sobre português como língua de herança (PLH) e bilinguismo.

A repercussão destes temas chama a atenção principalmente no que diz respeito a dúvidas e mitos. Ainda há um número considerável de pessoas que acreditam que expor a criança a dois idiomas causará atraso no desenvolvimento da fala, prejudicará seu desempenho escolar ou sua integração social. Segundo a fonoaudióloga brasileira, radicada nos Estados Unidos e pesquisadora do bilinguismo, Claudia Amalfi Marques, em seu artigo “Desmitificando esse tal de bilinguismo – parte 1”:

“...não há evidências científicas de que a exposição a um mundo bilíngue atrase o desenvolvimento da fala! Entretanto, devemos lembrar que para que ocorra a aquisição e desenvolvimento adequado da linguagem, muitos fatores estão envolvidos desde o nascimento do bebê.”

São diversos os artigos acadêmicos que discorrem sobre o assunto bilinguismo na infância e a maioria dos estudiosos concorda que este é um fator positivo ao desenvolvimento da criança e não é responsável por atrasos na fala.

A Finlândia, país onde resido, possui duas línguas nacionais: o finlandês e o sueco. Mesmo a quantidade de famílias falantes de sueco sendo pequena (apenas 5,4% da população), existe um consenso sobre a importância da língua de herança. Há inclusive políticas públicas que garantem a língua de herança como um direito das crianças.

A clínica da maternidade finlandesa (“neuvola” em finlandês) tende a considerar que o “atraso” na fala deve ser investigado somente após os 3 anos e meio ou 4 anos de idade.

Em minhas pesquisas e conversas com profissionais locais, a informação que obtive é que, na Finlândia, a capacidade de compreensão da criança é mais importante do que um vocabulário extenso até os 3 anos e meio, ou seja, se a criança entende, mas não fala muito, isto tende a ser considerado normal, pois o processo de expressão oral varia muito e esta variação não está relacionada ao bilinguismo.

Acompanhando a reação de pais e mães aos artigos publicados sobre o assunto no BPM Kids, percebo que famílias que vivem em países onde o idioma nacional é o inglês, tendem a serem pressionadas a falarem só inglês com seus filhos, sob a alegação de que a criança está “atrasada em relação aos outros colegas de turma”. A estes pais e mães, deixo a sugestão de que pesquisem artigos científicos para usarem como base argumentativa quando ouvirem este tipo de absurdo, pois a não ser que seu filho seja diagnosticado por um profissional com alguma disfunção cognitiva, o que representa uma exceção, culpar o bilinguismo é algo ultrapassado e até mesmo contraditório.

Há muitos países bilíngues no mundo e uma grande parte deles está no topo dos rankings mundiais que avaliam a qualidade da educação. Países como a Finlândia, o Canadá, a Suíça e a Bélgica, por exemplo, estão dentre os que apresentam excelentes resultados em alfabetização e leitura e todos possuem mais de um idioma nacional.

É importante que os pais pesquisem sobre o assunto e que, acima de tudo, parem de comparar seus filhos com a criança B ou C. Como pais, temos que respeitar as particularidades de nossos filhos e entendê-los como seres-humanos únicos. Da mesma forma que alguns andam mais rápido e que outros param de usar fraldas mais cedo, por exemplo, há os que falam mais cedo e os que falam mais tarde. Não deixe de dar ao seu filho o grande presente que é a língua de herança.

Para saber mais sobre o tema, convido-os a seguir o Brasileirinhos pelo Mundo e a entrar em contato com nossas colunistas que escrevem sobre o tema.

Links sugeridos para leitura:

Desmitificando esse tal de bilinguismo – parte 1. Leia aqui 
Desmitificando esse tal de bilinguismo – parte 2. Leia aqui
Como as crianças se adaptam e aprendem outras línguas. Leia aqui

Maila-Kaarina Rantanen é editora geral da plataforma Brasileirinhos pelo Mundo, foi diretora do Centro Cultural Brasil-Finlândia da Embaixada do Brasil em Helsinque por 5 anos e, durante sua gestão, cuidou de assuntos relacionados a cooperação educacional e promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira na Finlândia.